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Noite Passada em Soho | Crítica

Foto do escritor: Cinéphile (In)occupéeCinéphile (In)occupée

Pôster promocional do filme com o título em inglês "Last Night In Soho" na parte inferior central da imagem. Ao fundo, eternos círculos pretos e roxos. No centro, o rosto de uma mulher de expressão séria com delineado estilo gatinha, brincos de pérola e cabelo preso estilo colmeia típico dos anos 1960 (tudo em variados tons de roxo). Na faca a sua frente, o reflexo de outra mulher com sombra preta forte escorrida pela face, em expressão de pavor.

Edgar Wright não apenas assina a direção como também no roteiro, ao lado de Krysty Wilson-Cairns


Depois de assistir ao filme, após meses de espera, alimentada por pôsteres e trailers no Twitter, senti receio de escrever essa crítica, pois estou perdidamente apaixonada por esse filme - então gente, toda a neutralidade que é exigida foi-se para o espaço, desculpe, mas não tem como.

Ellie (Thomasin McKenzie) é uma estudante de moda e design aficionada pela estética dos anos 1960, que se muda do interior para Londres para estudar em uma faculdade especializada. Quando aluga um apartamento no Soho, ela passa a ter uma estranha conexão com uma cantora da época, Sandy (Anya Taylor-Joy), viajando no tempo - e logo ela descobre que essas viagens são mais perigosas do que ela possa imaginar.

Acho que podemos concordar que trailers são um tanto mentirosos, não é? A priori, pode ter parecido um filme de terror - e quem foi assistir nutrindo essa expectativa pode ter se decepcionado, porque não é o filme que você sente “aquele” medo.

Não, o que assusta nesse filme é o perigo de simplesmente ser mulher - tanto nos anos 1960 quanto nos dias atuais. Noite Passada em Soho é um filme que correlaciona muito bem a violência contra as mulheres no passado e no presente. Como no começo do filme (ALERTA DE LEVE SPOILER), onde no táxi Ellie é assediada (inclusive na versão legendada dos cinemas, o motorista diz “eu posso ser o seu primeiro assediador” - em inglês ele fala “stalker”, que é perseguidor, em tradução livre). A única pessoa que acredita na personagem é seu interesse amoroso, John (Michael Ajao). Em relação à Sandie, ela é objetificada desde sua primeira cena, usada, um pedaço de carne para dar prazer aos homens, alguém que tinha sonhos e aspirações que são escangalhados de uma maneira terrível, deixando-a uma casca, perdida e sem valor. A história dela foi e ainda é de muitas mulheres por aí.

É deliciosamente terrível, pois tanto Ellie quanto Sandie têm sonhos e aspirações e é inevitável que le telespectadore não torça por elas, sentindo e se deslumbrando como elas e quando esses desejos são esmagados brutalmente, torna-se muito triste e sufocantemente injusto.

Confesso que achei algumas coisas nesse filme um tanto previsíveis - mas tudo é tão bem engendrado que isso se torna mais um detalhe do que um problema, assim como as questões que ficam abertas.

Agora, discorrendo mais detalhadamente e começando pelas atuações: Thomasin já teve destaque em trabalhos anteriores como Sem Rastros (2018) e Jojo Rabbit (2019), então essa não é a sua estreia como protagonista - o que não diminui o seu brilho no papel da solitária Eloise Turner, que mora com a avó em uma cidadezinha do interior da Inglaterra, herdando o apreço das mulheres da família pela costura e moda. A sua dificuldade em se conectar com os outros, a saudade da mãe e a ambição da personagem são bem captados pela atriz, que também não deixa de ser, em muitos momentos, ingênua, caindo nos jogos dos outros personagens. Seu tormento, e a ambiguidade de como é retratada a sua saúde mental tornam seu desespero palpável e agoniante, fazendo com que le telespectadore sofra por ela mas ao mesmo indague o que é, de fato, real ou não.

Uma jovem branca loira, usando um vestido de alça vermelho e cabelo em penteado colmeia estilo anos 1960 passa correndo por um corredor de show bussiness, com homens e mulheres a cada cômodo. Há uma mulher  fantasiada obscenamente de boneca, ao telefone reclamando que algo não era o que ela esperava, mulheres injetando drogas com homens, fazendo sexo oral em homens mais velhos, uma delas está rodeada por vários deles, agachada, uma está inconsciente em cima da penteadeira enquanto outra mulher tenta reanimá-la. Quando a personagem principal chega ao fim do corredor, sem saída, uma outra mulher, mais velha, indica uma saída para ela.
A vida de Sandie é uma miríade de experiências reais de mulheres da época, pesquisadas amplamente por Wright enquanto ele construía o roteiro

Anya também não fica para trás ou tampouco é ofuscada pela parceira, encantando a todos com sua personagem, Sandie - em uma mistura de maliciosa e ingênua, tão confiante e terrivelmente aniquilada pelos homens à sua volta - com um final arrebatador que deixa le espectadore atordoade. A participação de Diana Riggs (Game of Thrones, 007 - A Serviço Secreto de Sua Majestade), homenageada nos créditos iniciais, é sorrateiramente conduzida, promovendo um desfecho genial - o que torna sua despedida ainda mais emocionante. Matt Smith (The Crown, Doctor Who) cumpre o seu papel de seduzir e encantar, no início, enquanto que Michael Ajao (Ataque ao Prédio) - carregando a representatividade nas costas - incomoda apenas por parecer irreal sendo o cara perfeito. Aliás, com exceção de John e Lindsey, todos os homens exercem o papel de predadores, vilões.

A trilha também é cuidadosamente encaixada em cada momento do filme. Contando com os vocais da própria Anya Taylor-Joy, a maior parte das músicas são da época em destaque - tornando-o, em sua plenitude, perfeito.

Com um filme cuja protagonista é estudante de moda, não comentar sobre o figurino do longa seria um sacrilégio. Elaborados por Odile Dicks-Mireaux, que já trabalhou com produções como a minissérie da HBO, Chernobyl (2019) e o longa-metragem Brooklyn (2015), o Wright passou uma lista de filmes, como Darling - A Que Amou Demais (1965) e Garota Existencialista (1960), para que a figurinista assistisse e se inspirasse. Os casacos brancos usados por Sandie e Ellie, por exemplo, são inspirados na personagem de Julie Christie em Darling. Ela também se inspirou em personas como Brigitte Bardot para compor os looks da personagem de McKenzie depois que ela tem o primeiro contato com o passado.

Da esquerda para a direita: Imagem 1 - uma jovem branca, de cabelo castanho preso em um coque usa um vestido feito de jornal; imagem 2: uma mulher branca, loira, de penteado colmeia típico dos anos 1960 usa um vestido frente única cor pêssego, com um detalhe de brilhantes na gola - enquanto desce uma escadaria com tapete vermelho e apoia sua mão esquerda num corrimão na cor dourada - seus brincos são de pérola; Imagem 3: a mesma mulher da foto anterior usa um vestido preto de renda e o mesmo penteado, enquanto a luz do holofote é apontada para ela, usa também brincos com pedras pretas; Imagem 4: a mesma mulher usa casaco e botas brancas de couro, um vestido com estampa laranja por baixo, brincos grandes brancos e o mesmo penteado.
O icônico vestido pêssego é simples, mas deu trabalho para ser idealizado, já que precisava ser um vestido aceitável no Café de Paris, mas que também fosse algo que uma jovem de baixa renda como Sandie pudesse costurar.

Cor e fotografia são balanceados com excelência, do começo ao fim. Pra ser honesta, desde que vi o primeiro pôster promocional da película, já fiquei encantada e nutrindo uma perigosa e alta expectativa - que foi superada (a-woman). Já na primeiríssima cena tem um jogo de luz e sombra muito bem arquitetado, dando a impressão que a personagem está numa vitrine - e que eu também senti que foi uma forma de homenagear Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffanny’s, no título original), cujo pôster aparece minutos depois e a primeira cena do longa de 1961 é com a Audrey Hepburn observando as joias da joalheria Tiffany enquanto toma café.

Uma mulher está no centro da imagem, contra a luz, sendo possível ver sua silhueta, com um vestido de saia rodada com o cabelo preso em um coque. Sua sombra é refletida no chão e ela tem os dois braços reclinados para cima, simulando a dança.
Por conta da excelente equipe de som, é possível ouvir o farfalhar do papel de jornal do vestido de Ellie

O principal do filme é o espelhamento, ora aparecendo como se fosse a Dimensão Espelhada do Doutor Estranho, ora entre as personagens principais, como se elas fossem a mesma pessoa - e o resultado é fenomenal. O uso das cores também é engendrado com maestria, com tons brilhantes e muito neon quando mostra a década de 1960 e a agitação dos tempos atuais no Soho, e as cores mais frias para mostrar a vida da Ellie antes de ir para Londres e se conectar com a época passada.

A personagem dança em meio a luzes neon, enquanto seus movimentos são espelhados e a sua visão embaçada - dando a entender que ela está sob efeito de entorpecentes.
Diferentemente de Anya, Matt Smith não sabia dançar e teve que aprender os passos para fazer a dança da primeira cena em que aparecem juntos

Antes de assistí-lo, nutri muitas expectativas quanto ao filme, mesmo sabendo que é perigoso porque a decepção poderia ser muito grande. Então tamanho foi o meu choque ao sair correndo da sala de cinema (para pegar o ônibus) com a satisfeita sensação de ter visto um filme bom, muito bom. Melhor ainda pelo elenco, pelas cores, looks, músicas e principalmente, o final.

Nota:
Cinco rolos de filme classificam a nota máxima: excelente.

Noite Passada em Soho estreou no dia 18 de novembro aqui no Brasil e ainda está disponível nos cinemas. Assista ao trailer:



Sala de cinema, depois de tanto tempo?

Agora eu vou contar sobre a minha experiência de ir ao cinema pós/durante pandemia, que ninguém pediu, mas eu vou dar mesmo assim - vai que você que está lendo também ainda se sente ansioso em sair, voltar a viver a vida e fazer as coisas como antes, né?

Pois bem galera, nem me recordo da última vez que fui ao cinema no ano passado, provavelmente foi pra assistir Parasita pela segunda vez com o meu pai, e pra vocês terem uma noção, ir ao cinema sempre foi um dos meus programas favoritos, seja pra ir com a família, amigos ou sozinha - o que eu fiz muitas vezes e adoro, mesmo. Noite Passada em Soho é um filme que eu estava aguardando ansiosamente - sou fanzoca da Anya Taylor-Joy, e depois de ter visto outras pessoas falando sobre as experiências de terem ido ao cinema, vacinadas e tudo mais, decidi arriscar.

E eu não percebi o quanto eu estava com saudades de subir as escadas com iluminação, sentar nas poltronas e mofar feliz da vida com mil trailers até eu passar por tudo isso. Mesmo com um trio otário que comprou ingresso para sentar do lado da minha poltrona (sendo que tinha outros lugares na sala) e ainda fez um mini barraco com uma família que ‘tava sentada na fileira da frente - foi uma boa experiência. Perdi o ônibus barato para voltar para casa, mas valeu a pena.

Um apelo a você, que está pensando em ir ou vai com toda a certeza ao cinema: não compre assentos do lado de outras pessoas que não estão com você. Se planeje, compre o ingresso antes para garantir um lugar legal. Mesmo com três doses de vacina, use máscara e mantenha distanciamento.


Ficha técnica do filme

Título: Noite Passada em Soho (Last Night In Soho)

Ano: 2021

Direção: Edgar Wright

Roteiro: Edgar Wright, Krysty Wilson-Cairns

Elenco: Thomasin McKenzie, Anya Taylor-Joy, Matt Smith, Diana Rigg, Terrence Stamp, Michael Ajao.

Duração: 1h 56 min (116 min)


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